sexta-feira, 22 de abril de 2011

The Monkey's Paw - The Subtraction


Lab – 2 AM
Não importa quantas vezes eu observe e pondere sobre aquele vidro na prateleira mais alta do laboratório. Nada plausível vem a minha mente. Nem mesmo um PhD em Neuropsicologia animal me permite esboçar a menor explicação. O que me resta é observar aquela mão... uma mão de macaco imersa em formol com um corte preciso a laser.

Como e porquê as coisas chegaram a este ponto ainda são uma incógnita completa para mim. Um mero cientista crente em Deus...


Four days ago
Por que eles precisam de bisturis? Afinal, fazem testes de raciocínio apenas. Não entendo! O número dois estava tão bem semana passada... Fez todos os exercícios, colocou os cubos nas aberturas corretas, apertou o botão da luz todas as vezes que recebeu aquele sinal dolorido na cabeça... Não entendo.

Mas, de certa forma, este é um movimento que vem se repetindo... Há duas semanas, foi o número um. Semana passada, o número dois. Não quero ser pessimista, pensando o pior de meus benfeitores, mas eu sou o número três.

“Macacos são dispensáveis!”, disse uma vez um homem de terno azul com um guarda-chuva bordado na lapela antes de deixar o nosso laboratório e ainda acrescentou já entrando no elevador “A ciência em primeiro lugar!”. Nunca acreditei que seria dispensável, afinal meus resultados são sem precedentes, pelo menos é assim que Cranky fala de mim... Bom, ele não se chama Cranky realmente, mas a suas excentricidades e sua postura torta, curvada, me fizeram escolher este apelido para o chefe do laboratório.

Hoje, ele veio até a minha gaiola, abriu a portinhola e acariciou minha cabeça. Se estivesse usando a máquina que me faz falar, eu teria dito:

- Não faça isso, cara!! Eu sou macho, isso é coisa para filhotinhos!!

Mas fazer o quê! Afinal, estou aqui desde filhote. Ele é meio que meu pai e de todos os outros também. Aliás, todos os homens de avental aqui são meio que nossos pais. Nos dão comida, fazem carinho, nos dão brinquedos, nos dão choques (quando merecemos e quando não merecemos também).

Cranky está especialemente incomodado hoje. Não parece estar em seu estado de calma usual. Nem sequer manipulou seu cubo mágico! Ele pediu que preparassem a “sala”. Isso quer dizer uma coisa só: alguém não volta pra gaiola hoje. Se o número um e o dois já foram e não voltaram, o próximo da lista só poderá ser eu! Que infortúnio! Me ensinam e treinam e depois me... matam? Não há dúvidas de que não há volta da “sala”.

Isso podia ser visto como um depoimento ou memórias de um macaco morto. Informações da mente sem lembrança apenas recolhidos através de algum aparelho fantástico que refaz os caminhos neuroniais recuperando, assim, todas as memórias retidas tanto nas memórias de curta como longa duração... bom, pelo menos foi assim que aprendi no laboratório.

Que eu não estou morto, isto é certo. Afinal, como estaria narrando isso tudo, agora. Acho que médiuns não psicografam para animais, não importa o quão inteligentes eles sejam. Mas como acabei por ficar sem minha pata dianteira esquerda é o motivo que me faz relembrar este episódio. A ausência está em mim... a prova de um não-ser que é.

Macafivelalaser
É, definitivamente o meu dia tinha chegado. O dia do número três. Nada de mais, nada pessoal. Apenas tinha chegado a minha vez. Mas Cranky continuava incomodado. Mexia em papéis e olhava imagens de ressonância magnética... minhas imagens de ressonância. Meu número aparecia nas imagens projetadas na tela branca.

Cranky não voltou a me olhar naquele dia. Passou pela minha gaiola, mas nem pensou em se aproximar. Pediu que me encaminhassem para a “sala”. Esta, especificamente, eu não conhecia. Mas conhecia outras, muitas outras: a sala dos jogos, a sala dos testes, a sala dos exames na cabeça.

Uma das mulheres, a que usa óculos, veio até mim. Abriu a gaiola, pegou pelo meu braço e me puxou pro colo dela. Aceitei, era gostoso. Fomos andando, eu no colo, ela brincando comigo e acariciando a minha cabeça e pensei: “Isso, querida!! faz de conta que eu sou um filhotinho!”

Ela me colocou sentado na maca gelada e foi organizar outras coisas. Sou bem treinado e sei quando posso ou não fazer “macaquices”. Quem inventou essa palavra e o que ela implica? Enfim... Fiquei ali. Contemplei todos os movimentos. Cranky estava do outro lado da sala, atrás da janela de vidro. Nem eu acredito como tudo aconteceu. Ainda sinto o cheiro de carne sendo fritada, assada.

A mulher aproximou uma mesa móvel com todos os instrumentos cirúrgicos conhecidos e desconhecidos por mim, inclusive o laser de CO2. É... está era a prova final. O laser. Corte perfeito. Sem perda nem comprometimento de áreas preciosas. Como um cérebro, por exemplo. Era isso então. Atrás dela, brilhava a tela de um computador com uma animação do corte que deveria ser feito. Aquela cretina ia tirar a tampa da minha cabeça. Ainda assim, mantive a cabeça no lugar (que trocadilho mais escroto).

As coisas foram se complicando quando a quatro olhos se aproximou com uma seringa. Certamente aquilo não seria para me fazer bem, tanto que ela carregava de modo a não chamar a minha atenção. Tarde demais. Ela ligou o aparelho do laser. Parecia que o instrumento precisava ser calibrado, ajustado. Não sei ao certo. Uns botões piscaram por alguns segundos e depois se fixaram. Estava, então, ajustado, calibrado, or whatever.

A sala se encheu, mas Cranky permaneceu do outro lado. Mexia em seus óculos, ajustava-os no rosto. Mas nada além disso. Não cruzava o olhar comigo de forma alguma. Enquanto eu tinha me concentrado em observar Cranky, a mulher tinha finalizado a organização do que seria utilizado. Ela colocou a máscara de proteção sobre o rosto e se aproximou. Abriu uma das fivelas da maca. Acariciou a minha cabeça e prendeu meu braço esquerdo. Fez, calmamente, a volta pela mesa e se aproximou. Tarde de mais.

O quê? Achou agora que eu iria contar como decepei a minha própria mão usando a porra do laser que serviria pra abrir minha cabeça? Você está certo! Mas antes disso, eu decepecei a mão da quatro olhos. O cheiro de carne assada é fabuloso. Inigualável. Inesquecível. Cada vez que sinto este cheiro, minhas reminiscências me levam pra sala de onde ninguém volta.

Foi tudo extremamente rápido. Não quero falar sobre isso de novo. Mas foi tudo muito rápido mesmo. Com minha mão livre, peguei o laser que belamente aguardava para me abrir. Enquanto fazia isso, Cranky movimentou-se para entrar na sala e avisar a idiota. Não foi rápido o suficiente. Quando ela esticou sua mão em minha direção, cortei. Caíram dois dedos e os outros dois, sendo um desses aquele dedo pequenino, foram cortados com um pedaço da mão. Deixei o dedão.

Ela caiu gritando, o corte já cicatrizado. Mas o pavor de perder os dedos e um pedaço da mão são maiores que a própria dor do ferimento. Cranky foi ajudá-la. Segundo erro. Neste ínterim (masqueculto), pensei: se soltar o laser não tenho com o que me defender, se não soltá-lo como vou abrir a fivela da maca. Não pensei de novo. Laser na mão. Cheiro de churrasco, novamente. Cranky ouviu o som surdo do laser e o som da minha pata caindo, depois de ter despencado pelo ar.

Ele a acompanhou enquanto caía. Eu, com menos uma mão e com cheiro de churrasco, corri direto para a porta. Todos acorriam para a “sala” em desespero. Desespero nunca é bom em um laboratório. As pessoas devem manter-se equilibradas, a todo custo. Passei correndo por uma, duas, três, cinco, dez pessoas e ninguém foi capaz de me parar. Incrivelmente, e aqui eu diria que recebi ajuda celestial (sou agnóstico, mas enfim). As portas se abriram em socorro dos que estavam no lab e eu, assim, fui escapando.

Minha mão está lá, guardada no laboratório. Cranky olha para ela todos os dias. A quatro olhos juntou os dedos perdidos e deram um jeito nela. Meio Frankenstein. Satisfeito? Agora, se me deixarem, terminarei meu charuto.