quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Com ovo é mais cinquenta centavos

Putz! Ta começando a chover e parece que essa merda de ônibus não vem hoje!
Por que eu tinha que ser pateta? Por que não consigo prestar atenção nas coisas e fazer tudo corretamente pra que não tenha que fazer de novo?
- É parece que vai chover mesmo! E eu nem trouxe meu guarda-chuva. Também, com o sol que fazia mais cedo né?
- É mesmo! Por que ela tá falando comigo? Por que as pessoas sempre acham que devem ter conversas inúteis e amenas com desconhecidos?
- Vai pra onde? Eu to indo pagar um monte de conta no banco! É...a vida é isso mesmo! Trabalha-se, trabalha-se e pra quê? O dinheiro vai embora em contas!
- Pois é, né, senhora! Muito esperta mesmo! Dizendo que ta indo pagar contas num banco! Podia segui-la e roubar toda a grana dela!
- É verdade mesmo! Eu trabalho há trinta e dois anos no mesmo lugar, faço a mesma coisa há trinta e dois anos e nada muda. Eu ganho a mesma coisa nesses anos todos, porque nunca consegui comprar nada muito diferente nesse tempo todo. Só o dinheiro que muda mesmo, porque o que se ganha? Nem pensar.
Será que eles não vão parar com essa conversa mesmo? Não aguento mais. Alguém cala a boca desse velho chorão. Não me conta nada, não reclama da vida pra mim. Não quero ter que sentir pena de vocês. Ou pior, me ver em vocês daqui um tempo.
Eu não. Foda-se! Eu não acabo assim. Meu trampo rende e com o tempo dá pra juntar uma grana boa. Mas o negócio é guardar, poupar. Nada de sair por aí aproveitando a vida e esbanjando!
Bem que o Drica podia me chamar pra mais coisas. Daí, sim, tudo mudava. Podia até pensar em gastar um pouquinho, fazer umas festinhas.
Acho que se eu me der bem dessa vez, ele me chama pra coisas melhores, me passa serviços mais importantes que pagam melhor. Ah! Que se dane. To feliz assim, por enquanto. Também não dá pra viver dessa merda a vida toda. Acho que ninguém consegue.
- Ei? Ouviu?
- Não senhora? O que foi? Não viu que eu to com fone no ouvido?


"Run run run run run run
And you cannot run or ever, ever escape
You cannot run or ever hide it away
Something glourious is about to happen
The reckoning"

- Ele te perguntou as horas. É que eu to sem relógio.
- Quase uma e vinte.
- Mas já tem uns dez, quinze minutos que to esperando.
- Eu to aqui tem uns 20.
Não entendi porque comentei isso. Não quero que ela continue falando comigo. Vou olhar pra outro lado. De repente ela para de falar comigo.
- Olha! Vê se faz tudo direito. Não quero ter que tapar buraco teu depois. A mulher é irritada e cheia de mania. Não faz pergunta nem comentário idiota e não tenta parecer amigável com ela. Ela não quer fazer amizade contigo, então deixa ela na dela. Entendeu?
- Sim. Pode deixar. É entregar e sair. Qual é mesmo o nome dela?
- Pra que tu quer o nome dela? Eu não acabei de te dizer que ela não é de muitos amigos? Não interessa. Chega, entrega e sai. Simples como a vida deve ser.
Odeio ter que fingir que sou uma besta pra tipos como esse. Mal sabe falar, come feito um bicho, mas tá aqui mandando em umas cem cabeças no mínimo. Foda-se. Sorria e concorde com a cabeça, esse é meu lema. Mas o concordar aqui é puramente um sinal de desdém total a quem te manda fazer alguma coisa. Enfia o teu “entendeu?”, seu merda.
- Certo. Sem perguntas, sem comentários.  Chegar, entregar e sair. Saquei.
- Belezura. Então não vai ter problemas. Teu pagamento é só semana que vem, depois do trabalho feito e conferido. E não me aparece aqui até terça que vem. Entendeu?
Se ele disser “entendeu?” mais uma vez, eu vou...Merda! Não vou fazer é nada. Preciso desse bosta.
- Vou indo nessa. Às 14h então? Ta entendi, às 14.
Bosta de ônibus que não vem. Se eu molhar meu casaco da Adidas...
- Acho que é ele lá na esquina. E é mesmo.
Puta que pariu! Cadê a mochila? Cadê?
Não tem como passar o dia sem nada no estômago! Minha vó sempre me disse isso e eu segui. Não tem como, tem que comer. Fui comer. Vê um cachorro e uma coca. Quer completo? Como assim? Salsicha, molho, tomate, ervilha, milho, queijo ralado, batata-palha, ketchup e mostarda. Vai querer completo? Sim, sim. Não... tira o tomate. O tomate ta no molho. Mas tu disse: molho, tomate... Pensei que fosse separado. Tu já viu molho de tomate sem tomate? Cada um que me aparece! Vem com ovo? Pode vir se tu quiser, cinquenta centavos a mais. Ta, pode ser. É pra comer aqui ou pra levar? Pra comer aqui. Só aguardar. Pedido número 7.
Gente burra atendendo. Eles não sabem que isso afasta cliente? O Drica sempre diz: se teu trabalho for mal feito, não tem pedido novo. Ponto final. Sem pedido eu não ganho, se eu não ganho, vocês não ganham. Mas ela vende comida. Comida é uma coisa que mesmo quando tu não tem dinheiro tu acha um jeito de ter. Ta certo que as crianças africanas não comem por dias e não morrem. Mas também têm aquelas barrigas enormes cheias de vermes. Que delícia pra se pensar antes de comer. 
- A senhora viu minha mochila? Tava aqui do meu lado o tempo todo. Não pode ter sumido.
- Não vi mesmo, que pena. Acho que quando cheguei não tinha mochila nenhuma, mas posso estar enganada.
- O senhor viu? Uma mochila que tava aqui comigo?
- Não mesmo. Como era?
Que diferença faz se tu disse que não viu?
- Preta com caveiras azuis. Tava aqui do meu lado.
- Não, sinto muito.
Caralho, o Drica vai me matar. Perdi o treco da mulher.
- Bem na hora que o ônibus chega, a chuva começa a cair. Não somos tão azarados, somos?
Cala a boca velha do inferno!
- Mas não é que eu sentei em cima da tua mochila. Aham...sentou. Colocou foi é 120 kg de carne em cima da minha mochila. Alívio. Sem mortes essa semana. Sem a minha morte. A entrega ta inteira. Você não tava esperando o ônibus? Vai me dizer que não vai subir agora?
- Vou sim. Cadê a carteira! Um, dois, dois e vinte e cinco... Peraí... um, um e cinquenta, noventa, dois, dois e vinte...
- Quanto é mesmo a passagem?
- Não sei, eu sou aposentada. Não pago. Quanto é mesmo a passagem?
- Dois e setenta e cinco.
- Droga!
- Que foi?
- Tá faltando 50 centavos!
- Não se preocupe. Deus me dá em dobro. Toma aqui.
Olha moça, ta aqui sua encomenda. Obrigada. Toma aqui...esse é pra você. Não posso aceitar. Fica entre nós. Certo então. O lance que a senhora pediu...chegou direitinho certo? Ta, ta ok. Perfeito. Ah... antes que eu esqueça. Seu chefe ligou antes. Disse pra você voltar à central. Ele disse que a empregada dele encontrou com você na fila do ônibus, mas só te reconheceu depois que você desceu. Ela contou pra ele que você tinha perdido uma mochila. Ah sim, foi mesmo. E ela fecha a porta. Valeu!
“É... não converse com velhas enquanto espera pelo seu ônibus”, já dizia minha vó. Talvez ainda tenha morte essa semana. So fucking useless!

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Suplemento

su.ple.men.to
sm (lat supplementu) 1 A parte que se junta a um todo para o ampliar ou aperfeiçoar; aquilo que serve para suprir qualquer falta. 2 Aditamento a um discurso ou exposição anterior no sentido de os completar ou de preencher quaisquer lacunas; o que se ajunta a um livro para o completar. 3 Adição natural ou necessária; complemento. 

supplement
late 14c., from L. supplementum "something added to supply a deficiency," from supplere.

suplemento
"uma adição, um significante disponível que se acrescenta para substituir e suprir uma falta” (DERRIDA, Jaques. 1976, p. 88)


Quando eu troquei o real pelo fictício? Quando eu troquei um peito de verdade por um filme pornô hardcore de quinta categoria? Acha que eu sei? Se soubesse, não estaria perguntando. Quer dizer...eu sei quando eu troquei. Talvez a pergunta não esteja correta. Talvez devesse ser “por que eu troquei um peito de verdade por um filme pornô hardcore de quinta categoria?”.
Peitos de verdade dão trabalho. Peitos de verdade te pedem pra ir no cinema, pra ir a restaurantes, te pedem carinho e essas coisas que peitos de verdade costumam pedir. Eu não quero peitos de verdade pedindo coisas. Quero peitos fictícios.
Se eu sair pra pegar cigarro, vou ter que vestir uma roupa, colocar tênis...to fedendo? é, um pouco de asa. Página de perfil, atualizações. Nada de diferente pra ler! E eu com a tua família? Por que as pessoas ficam postando todas as fotos idiotas das suas vidas idiotas? “Olha meu novo cachorro!” “Encontrei um adestrador para meu novo cachorro.” Se a Força funcionasse com as pessoas de mente fraca pelo sinal de internet, eles tavam fodidos!
Quero um cigarro! Só tem erva! Não serve, não agora. Por que não agora? Só porque é cedo? Cedo pra quê, caralho? Mal dá pra enxergar lá embaixo. Apenas pontos que se movem. Pontos que não fazem a menor diferença na minha vida. Ou fazem? Eu existo, aqui, sem eles, sem ninguém, sem alguém.
Ninguém ou alguém. Qual a diferença? Tou filosofando demais. O jeito é fechar um por enquanto. Na Tunísia, as pessoas estão se matando. Que novidade... as pessoas estão sempre se matando. Guerra...a guerra nunca muda! Ou seriam as pessoas? Em Tróia os caras lutaram por peitos de verdade, por isso prefiro peitos fictícios ou peitos que não pedem nada, como peitos pagos. É...hoje era uma boa!
Calor, cerva gelada, um boquete e uns peitos pagos...FTW! Mas como eu queria um cigarro agora! Só tem seda grande...nops. Se eu tivesse saído ontem, podia ter comprado cigarros e os peitos de verdade podiam estar aqui fumando comigo. Ou eu podia estar fumando sozinho, mas teria cigarros agora. Um copo limpo nessa casa é raridade. Cabelo?
Duas semanas e ainda tem cabelo aqui? Na cama tudo bem, não durmo lá tem o quê...uns seis dias? Mas no sofá e na minha roupa é demais. Nojo. Cabelo pela minha casa. A casa é suja, mas reminiscências pelo arquivo indesejado já é demais. Podia prender aquela porra...fazer uma trança ou algo assim. Mas não! Eu estive aqui, veja meu cabelo pela casa...eu sempre estarei aqui.
Eu não te quero aqui. Puta que pariu, quero um cigarro. Não vou descer agora.
Mensagem no celular: “Você acaba de ser sorteado! Tem direito a uma chupada. Seu prêmio deve ser resgatado em 10 minutos no quarto ao lado ou será dado a outro”. O prêmio está no quarto, deitado de cabeça pra baixo. Os cabelos pendurados. Larguei o cigarro e os peitos de verdade pediam por mim. Na meia luz do quarto, ela colocou na boca, mexeu de forma delicada, mas firme... Gozei na boca dela. Ela sorriu. Peitos de verdade que te fazem querer foder mesmo tendo acabado de gozar. Gozei de novo. Ela apertava entre os dedos o lençol que não era trocado tinha semanas (a empregada se demitira). Ela gozou.
Merda de cabelo pela minha roupa. Como pode estar por tudo? Preciso de um cigarro. Sem cigarro, só com seda longa...punheta.
Sem som pelo apartamento, o mundo tá lá embaixo, longe. Os cabelos pela casa e ela não sei onde. Não que me importe. Não que não seja nela que eu pense agora. Mas são só peitos de verdade inspiratórios. Nothing more nothing less.

Don't get offended
If I seem absent minded
Just keep telling me facts
And keep making me smile

Meio-dia. Ainda todo o dia ainda! Preciso de um cigarro. Podiam vender por tele-entrega. Não vendem remédios? Cigarros são como remédios. As pessoas podem morrer sem eles, assim como podem morrer com eles. Um copo limpo e água. Depois, um cigarro. Podia ser uma coca. Não tem coca. Vou ter que descer. Tou fedendo.
Quer um café, uma água? Tem coca? Não. Café então. Peraí, vou lavar um copo. Tudo bem. Pode trocar de lugar? Prefiro esse que tu tá sentada. Tudo bem. Vai me dizer que tu analisa a posição do sofá? A direção do vento? Sim. Por isso prefiro esse lugar. Toma aqui. Obrigada. Que tá vendo? Só um curta de animação. Tava baixando ontem e agora finalizou. Quer ver? Pode ser? Tem mais café? Já tomou? Tava com sede. Quer outra coisa? Quer dizer...só tem água ou café. Café. De quem é a animação? De um cara sueco. A menina parece contigo. É? Deixa eu ver. Parece...o cabelo principalmente. É, é o cabelo.
Eu não abracei, mas queria ter abraçado, mas não abracei. Só ficaram os cabelos. Eu mandei embora. Não quero cabelos na minha roupa. Não quero peitos de verdade pedindo coisas. Preciso de um cigarro. Para o almoço: Doritos, banana e chocolate. E água.
Estômago. Dor. Sono. Quatro horas e quarenta e quatro minutos depois. Ainda dor ainda. Carteira de cigarros. Não tem cigarros. Preciso de um cigarro. Sem banho, desço.  Oi, porteiro. Tchau, porteiro. Mentira, nem olhei.
Na carteira, nenhum dinheiro, mas tem cartão. Com cartão, só o pacote moço. Só o pacote? Só o pacote. Me dá um pacote então. Com um pacote, sigo feliz. Ainda fedendo. Alguém ou ninguém sentiu?
Um pacote, dez carteiras. Dias de cigarro. Dois dias de cigarro e não tem mais cigarro. Punheta. Punheta. Punheta. Cabelos pela casa. É melhor limpar.