segunda-feira, 23 de maio de 2011

“Only after disaster can we be resurrected” - O que é a existência em Fight Club

Em Fight Club (FC1), livro de 1996 do escritor estadunidense Chuck Palahniuk, tem-se um narrador em primeira pessoa sem nome e atormentado com problemas de insônia que busca consolo em grupos de ajuda psicológica para pessoas com os mais diversos tipos de doenças (ainda que ele não esteja doente), de anemia à parasitas do cérebro. Esse narrador atormentado passa por momentos de consciência e de inconsciência constantemente em decorrência de sua insônia e percebe que nesse contexto “Everything is so far away, a copy of a copy of a copy. The insomnia distance of everything, you can't touch anything and nothing can touch you” (Palahniuk, 2006, p.21).

Porém, magicamente, tudo muda quando surge em sua vida Tyler Durden – homem livre das amarras da sociedade, dono de seu destino e totalmente consciente de que a liberdade só pode ser atingida quando se puder eliminar todo e qualquer medo. E é a partir daí que a história se desenvolve.

Um narrador sem nome e seu amigo imaginário dão, então, início ao Clube da Luta. Originalmente, o clube encontra-se em bares e porões da cidade que serve de ambiente para a história, mas, posteriormente, o Clube da Luta, mais precisamente Tyler Durden, cria o Projeto Mayhem, organização sem fins lucrativos que tem por único objetivo ensinar a cada homem que faz parte do projeto que ele tem o poder para controlar a história e que cada um deles podia tomar o controle do mundo2.

Por toda a narrativa, o narrador sem nome busca uma metafísica, que jamais será atingida, que explique sua condição, bem como a criação deste duplo que quer acabar com o mundo como ele existe e ter o domínio do corpo desse narrador. A narrativa começa pela cena final do livro: o narrador está no topo do mais alto prédio do mundo, o Parker-Morris3 Building, com o cano de uma arma enfiado em sua boca, com o gatilho prestes a ser puxado por Tyler Durden quando aquele reconhece que tudo o que foi feito até agora por Tyler, pelo Clube da Luta e pelo Projeto Mayhem foi por Marla Singer. O narrador acredita que seu amigo imaginário tenha resolvido ganhar vida quando o narrador a encontrou pela primeira vez nun dos grupos de apoio; desde então, Tyler teria feito tudo para tê-la. No entanto, que fique claro, o narrador afirma: “This isn't about love as in caring. This is about property as in ownership” (Palahniuk, 2006, p.14).

Esta, pode-se afirmar, é a metafísica escolhida, selecionada pelo narrador sem nome no intuito de estabelecer uma calamaria que não se pode mais encontrar no mundo contemporâneo. E é a partir dessa busca, dessa necessidade de uma metafísica impossível que subjaz ao enredo principal outros tantos níveis (a serem explorados adiante), que propõem mais do que uma metafísica, mas um perspectivismo de como poderia-se compreender a existência.

A narrativa apresenta, basicamente, seis níveis: (1) o do enredo, (2) o de aforismos sobre a existência, (3) o de conhecimentos técnicos, (4) o da profissão de projetista de filmes, (5) o da profissão de especilista de recolha de produtos defeituosos (Recall), (6) e o da metaficção.

Todos os níveis trabalham entre si para o desenvolvimento da narrativa, mas podem resultar em desvios para o leitor, que, então, pode se perder em meio às informações aparentemente desnecessárias.

No nível do enredo, encontram-se os elementos narrativos que tessem a história, como as personagens, suas açoes, a marcação do tempo decorrido, os lugares que servem de pano de fundo até o desfecho no topo do Parker-Morris Building e a internação do narrador em um hospital psiquiátrico que ele confunde com o paraíso.

No nível de aforismo (que é o ponto fulcral deste ensaio), encontram-se as máximas afirmadas pelo narrador e que condensam, até certo ponto, suas ações como homem frente à vida e da própria existência.

No nível de conheciementos técnicos, o narrador apresenta conhecimentos que Tyler teria lhe ensinado (quando de fato são conhecimentos que ele detém), como: a elaboração de uma bomba de napalm, a construção de uma arma com silenciador, a elaboração de sabão a partir de gordura humana lipoaspirada, a elaboração de nitroglicerina a partir de diferentes misturas, o uso de lixívia para desentupir canos, a diferença entre armas, calibres e munições, a diminuição da acidez do solo com sulfato de magnésio (usando Epsom salts) e a elaboração de dinamite também a partir de diferentes misturas.

Os níveis das profissões (tanto a de projetista, como a de especialista em recall) revelam segredos do trabalho e como de fato as funções se desenvolvem. Por exemplo, nas considerações sobre a prosissão de projetista, o narrador revela que os filmes chegam aos cinemas em diversos rolos e são conectados pelo que os profissionais da área chamam de “queimadura de cigarro” (um ponto similar a uma queimadura no canto superior direito da tela); nas considerações sobre a profissão de especialista em recall, o narrador revela que se o custo do recall for menor que o pagamento de indenizações por mau funcionamento de veículos (e até mortes causadas por este funcionamento inadequado), faz-se o recall e ninguém sai ferido; porém, o contrário é mais frequente e, normalmente, as pessoas morrem por isso. O narrador só tem que aplicar a fórmula, é simples aritmética 4.

Por fim, o nível da metaficção encerra observações e comentários sobre o que é uma história. Tyler afirma “Because everything up to now is a story and everything after now is a story” (Palahniuk, 2006, p.75). Relacionados ao nível da metaficção, encontram-se observações do narrador sobre como perceber o que está acontecendo: quem é Tyler e como ele surgiu, se é possível ser outra pessoa sem se ter conhecimento disso, entre outras. Resumidamente, são esses os níveis dentro da narrativa de FC. Em seguida, o ponto fulcral deste ensaio será focalizado, a saber, o nível dos aforismos.


O que é a existência, segundo o Clube da Luta

A vida não tem mais sentido; não somos nada, a não ser o lixo do mundo. Em linhas gerais, estes são os pensamentos do narrador sem nome de FC. Os aforismos que surgem por toda a extensão do texto encerram, possivelmente, projeções de como o próprio autor do livro. Não são verdades absolutas, mas verdades parciais de um pedaço do que seria a existência no mundo contemporâneo, especialmente para as gerações nascidas a partir de 1970.

Abaixo, serão apresentados os aforismos que pretendem explicar como o narrador de FC vê a existência e o que significa estar vivo no mundo atual:
      1. Crying is right at hand in the smothering dark, closed inside someone else, when you see how everything you can ever accomplish will end up as trash.
      2. Anything you're ever proud of will be thrown away.
      3. It's easy to cry when you realize that everyone you love will reject you or die.
      4. On a long enough time line, the survival rate for everyone will drop to zero.
      5. Losing all hope is freedom.
      6. This is your life, and it's ending one minute at a time.
      7. One minute is enough; a person have to work hard for it, but a minute of perfection is worth the effort.
      8. A moment is the most you could ever expect from perfection.
      9. Oh, the proof that one day you're thinking and hauling yourself around, and the next, you're cold fertilizer, worm buffet. This is the amazing miracle of death, and it should be so sweet if it weren't for, oh, that one (Marla Singer – acrescentado pelo autor).
      10. Maybe self-improvement isn't the answer. Maybe self-destruction is the answer.
      11. I should run from self-improvement, and I should be running toward disaster.
      12. If you lose your nerve before you hit the bottom, you'll never really succeed.
      13. Only after disaster can we be resurrected.
      14. It's only after you've lost everything, that you're free to do anything.
      15. Disaster is a natural part of evolution, toward tragedy and dissolution.
      16. You are not a beautiful and unique snowflake. You are the same decaying organic matter as everyone else, and we are all part of the same compost pile.
      17. Our culture has made us all the same. No one is truly white or black or rich, anymore. We all want the same. Individually, we are nothing.
      18. What you end up doing, is you spend your life searching for a father and God. What you have to consider, is the possibility that God doesn't like you. Could be, God hates us.
      19. You're not your job. You're not your family, and you're not who you tell yourself. You're not your name. You're not your problems. You're not your age. You are not your hopes. You will not be saved. We are all going to die, someday.
      20. I am the all-singing, all-dancing crap of this world. I am the toxic waste byproduct of God's creation.
      21. You just do your little job. Pull a lever. Push a button. You don't really understand any of it. The world is going crazy.
Cada um destes aforismos concorre para criar o que se poderia denominar um perspectivismo sobre a existência e a vida. O que o autor faz é, até certo ponto, manter, entre outras referências, a visão de mundo absurdo, sem sentido, em que os eventos e ações vão se somando sem causa ou necessidade aparente.

O narrador busca uma explicação para a sua própria existência e para os resultados que se revelam durante os episódios narrados. É a reflexão sobre a vida, ou a sua vida mais especialmente, que levam o narrador a ser minado pelo verme, como afirmou Camus em seu ensaio sobre o absurdo em 1942: “Começar a pensar é começar a ser minado. (…) O verme se acha no coração do homem. É ali que é preciso procurá-lo”(CAMUS, 2010).

O narrador opta pela metafísica, mas, aqui, opta-se pelo perspectivismo de Nietzsche, no qual não existe verdade máxima e absoluta, mas apenas o conhecimento de partes de uma verdade incognoscível.

Camus (2010) também afirma que “(é) provavelmente certo que um homem permanece para sempre desconhecido de nós e que para sempre haverá nele algo de irredutível que nos escapa”. Isso é verdade para o enredo de FC, mas também para a vida como se conhece e, mais além, pode-se dizer que não existe a impossibilidade de conhecer o outro como também a si mesmo; portanto, o conhecimento do ser é também somente parcial.

Seguindo-se os aforismos apresentados, tem-se a percepção de que o narrador pretende mostrar um vislumbre da existência que considere o fracasso, a queda como porta para uma realidade superior, uma existência com sentido e validade. Além disso, pode-se afirmar que estes aforismos implicam, também, numa descentralização do sujeito: este precisa reconhecer que não é o centro do universo e que o mundo não gira ao seu redor, mas o contrário. A vida não é bela, mas cruel. Para que seja possível sublevar a sociedade a reconhecer a absurdidade do mundo e de sua existência, o homem tem que aceitar sua própria insignificância, para daí, então, partir para a revolução e, consequentemente, para as mudanças necessárias para o futuro.

Embora o narrador afirme que tudo tenha sido feito pelo amor que ele e Tyler Durden nutriam por Marla Singer, outros motivos, talvez mais fortes, possam ser identificados nessa jornada rumo ao conhecimento da existência e de si mesmo.

O narrador só descobre a verdade quando aceita que Tyler Durden é ele mesmo, com algumas diferenças físicas (que provavelmente só existem na sua cabeça) e de comportamento, e que, portanto, também ama Marla Singer. Quando ele, por fim, aceita essas verdades, quando ele aceita o conhecimento de si mesmo é que ele passa a compartilhar, de fato, uma parte da verdade sobre o conhecimento da existência no mundo contemporâneo.

Ele se destrói para poder se reconstruir. É pelos pedaços restantes que ele constrói seu novo eu. As respostas acima do alcance humano não são atingidas, mas apenas partes dessas respostas. O mundo do romance não dá lugar às certezas, muito pelo contrário; o herói romântico é infinitamente atormentado pela inquietação. O fim da inquietação seria a morte, ou pior, o suicídio, pois “(n)aturalmente, nunca é fácil viver” (CAMUS, 2010).

Mais além, a busca por esse conhecimento pode estar relacionada a busca de reconhecimento por Deus, ou por algo que poderia trazer a ordem ao mundo e, portanto, uma metafísica. No capítulo 30 (capítulo final no texto original5), o narrador afirma “In my father's house are many mansions”; uma referência direta ao Evangelho de João (João 14:2) segundo a Bíblia de King James. Nesse sentido, a busca do conhecimento do que é a existência nada mais é do que compreender porque Deus permite o mundo como ele é hoje. Por fim, é no outro que ele busca a verdade, ou parte dela.

Finalmente, pode-se pensar nesses aforismos como um pano de fundo da narrativa e que nada significam de fato; no entanto, nada em um texto ficcional é inútil à tessitura. Portanto, mesmo que subjazendo ao nível do enredo, o nível do perspectivismo proposto por Chuck Palahniuk pode ser considerado como uma tentativa de representar o pensamento contemporâneo sobre a existência. Por mais que se acredite que a era do absurdo e do fazer sem sentido tenha encontrado o seu fim após a década de 50 do século passado, a absurdidade e o fazer sem sentido ainda são elementos inquietantes da humanidade na primeira década do século XXI. No entanto, a inquietação é positiva, pois mantém a todos vivos e em busca de esclarecimento de suas existências.



REFERÊNCIAS

CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. Tradução Ari Riotman e Paulina Wacht. Rio de Janeiro: Best Bolso, 2010. 140 p.

PALAHNIUK, Chuck. Fight Club. UK: Vintage Books, 2006. 208 p.

1Fight Club
2When Tyler invented Project Mayhem, Tyler said the goal of Project Mayhem had nothing to do with other people. Tyler didn't care if other people got hurt or not. The goal was to teach each man in the project that he had the power to control history. We, each of us, can take control of the world. It was at fight club that Tyler invented Project Mayhem.(Palahniuk, 2006, p. 122)
3Possível conexão com Parker-Morris Standards: um conjunto de critérios mínimos para a construção, desenho e instalações de habitações de qualidade, recomendo no relatório 1961 do Centro de Habitação do Comité Consultivo, presidido pelo senhor Parker Morris.
4“It's simple arithmetic. It's a story problem. If a new car built by my company leaves Chicago traveling west at 60 miles per hour, and the rear differential locks up, and the car crashes and burns with everyone trapped inside, does my company initiate a recall? You take the population of vehicles in the field (A) and multiply it by the probable rate of failure (B), then multiply the result by the average cost of an out-of-court settlement (C). A times B times C equals X. This is what it will cost if we don't initiate a recall. If X is greater than the cost of a recall, we recall the cars and no one gets hurt. If X is less than the cost of a recall, then we don't recall.” (Palahniuk, 2006, p. 30)
5Na edição da Vintage Books há o acréscimo de um capítulo denominado “Afterword”, escrito em 2005, após o reconhecimento mundial da obra.   

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